Em entrevista exclusiva à VIAJAR, o administrador e Chief Commercial Officer da ANA Aeroportos de Portugal, Francisco Pita, fala dos bons resultados de gestão, de questões operacionais, das novas soluções tecnológicas e, como não podia deixar de ser, do futuro aeroporto do Montijo.
Por Sílvia Guimarães
VIAJAR – Desde que o boom do Turismo começou em Portugal que os aeroportos nacionais têm vindo a atingir resultados recorde e, sobretudo, o Aeroporto Humberto Delgado. A tendência é para continuar apesar do previsto abrandamento do Turismo no país?
Francisco Pita – 2019 voltou a ser um ano de crescimento muito significativo, um crescimento saudável que assenta numa distribuição entre novas rotas, novas operações em rotas existentes e aumento do load factor das aeronaves. É um crescimento diversificado. Acreditamos que vamos continuar a crescer, ainda que mais moderadamente. Portugal já demonstrou ser um destino turístico de referência com um potencial de crescimento ainda por desenvolver.
V – Muito se tem falado sobre os lucros que os aeroportos portugueses têm gerado desde a privatização da ANA Aeroportos, no final de 2012, muito superiores aos inicialmente previstos (em quase mais mil milhões de euros) até ao final de 2019. O crescimento do Turismo foi, com certeza, uma das grandes causas. Para além disso, ao que se deveram estes números?
FP – Diria que há dois motivos que explicam os bons resultados da ANA. O primeiro, a forma como, trabalhando em conjunto com as entidades responsáveis pelo Turismo e com as Companhias Aéreas, temos conseguido aproveitar da melhor forma o ciclo de crescimento da procura turística a nível europeu e mundial. De facto, nos últimos anos, temos vindo a registar crescimentos de tráfego muito superiores aos nossos concorrentes europeus. O segundo motivo prende-se com o know-how da ANA-VINCI Airports para gerir e otimizar a capacidade instalada nos aeroportos nacionais. A título de exemplo, saliento o Aeroporto de Lisboa, onde estamos a processar mais 10 milhões de passageiros do que aquilo que estava apontado como sendo a máxima capacidade desta infraestrutura. Só com um extraordinário conhecimento da gestão de infraestruturas aeroportuárias foi possível não privar o País deste acréscimo de turistas.
Novas ligações aéreas
V – 2019 foi um ano de abertura de novas rotas, principalmente nos aeroportos de Lisboa e Porto. As ligações ao Oriente e à América do Norte estiveram em destaque. Qual o balanço que fazem do surgimento destas novas rotas e como tem sido feita a promoção nestes destinos?
FP – São as companhias, melhor do que ninguém, que podem avaliar as rotas que lançaram. Ainda assim, a nossa perspetiva é positiva. São rotas para mercados, até aqui, pouco servidos nos aeroportos de Lisboa e Porto e que têm um grande potencial de crescimento.
A promoção é assegurada pelos nossos parceiros do Turismo de Portugal e das entidades regionais de turismo, o que é extremamente importante, na medida em que o trabalho de promoção devidamente coordenado com a abertura de novas rotas é determinante para o seu sucesso.
V – Agora que já estamos em 2020, têm novidades aos nível de novas rotas? Se sim, para onde e quando?
FP – Sim. Em 2020 contamos com algumas boas notícias, como por exemplo a LATAM que passa a operar em Lisboa com o A350, aumentando assim significativamente o número de lugares disponíveis, o que é particularmente importante num aeroporto como Lisboa que está constrangido em matéria de slots, pois permite um crescimento no número de passageiros sem necessidade de capacidade adicional de pista. Também a United Airlines passará a utilizar o seu novo Boeing 787 na rota de Lisboa, mais uma vez contribuindo de forma eficiente para o crescimento do aeroporto.
Em termos de novas rotas temos algumas novidades das quais gostaria de destacar, em Lisboa, o início das operações da Jet 2 com voos para Birmingham e Manchester, e no Porto, a easyjet a aumentar a capacidade em 15% para o Verão de 2020. Em Faro, teremos, entre outras, a Air France a voar para e de Paris, no Funchal a Air Nostrum a ligar Málaga e Vallalolid e, em Ponta Delgada, a Swiss para Genéve.
Aeroporto do Montijo
V – No entanto, em Lisboa temos o tão falado problema da falta de slots, com companhias aéreas durante meses à espera para conseguir um. Como estão a conseguir contornar esta situação?
FP – Uma das formas de conseguir crescer o número de passageiros quando a capacidade de espaço aéreo está praticamente esgotada é exatamente a utilização de aviões de maior dimensão, tal é o caso das opções acima referidas. É importante dizer que o Aeroporto de Lisboa está perto da sua utilização máxima da capacidade de pista, o que não significa que não existam slots disponíveis. O que acontece é que, muitas vezes, são em horários comercialmente pouco atrativos ou incompatíveis com a operação das companhias aéreas. Ainda assim, temos vindo a conseguir, em conjunto com as Companhias Aéreas, encontrar soluções pontuais para utilização de horários menos atrativos.
V – É aí que o Montijo entra como solução?
FP – Sim, o Montijo permitirá aumentar a capacidade aérea na Região de Lisboa de forma muito significativa. No conjunto dos dois aeroportos, podemos chegar a 72 movimentos por hora, contra os 38 movimentos/hora.
V – Depois do alargamento do Aeroporto Humberto Delgado e da construção do aeroporto complementar do Montijo poderemos dizer que esta situação da falta de slots ficará finalmente contornada? Mas até quando?
FP – De acordo com as previsões de tráfego que temos, esta capacidade (72 movimentos/ hora) permitirá acomodar o crescimento da procura para lá do final da concessão.
V – Há companhias aéreas, entre as quais as conhecidas como low cost, que afirmam que o Montijo não lhes interessa. O que é que a ANA Aeroportos pensa fazer para as atrair para o Montijo?
FP – Diria que as principais motivações para as companhias aéreas voarem para o Montijo serão a capacidade e disponibilidade de horários. Um aeroporto sem qualquer slot histórico representa uma oportunidade única quer para as companhias aéreas que já operam na Portela quer para aquelas que ainda não voam para Lisboa escolherem os horários comercialmente mais vantajosos. Adicionalmente, o Montijo vai privilegiar a eficiência e a qualidade da experiência do passageiro.
V – Agora com a questão ambiental, ao que tudo indica, resolvida, quando irão ter início as obras de construção e qual a previsão de término?
FP – A partir do momento em que pudermos começar as obras será possível termos o novo aeroporto em operação ao fim de três anos.
Beja, Faro, Madeira
V – Nos últimos três a quatro anos é frequente, em conversas com operadores turísticos, estes frisarem que é difícil lançarem operações charters, sobretudo no verão, por falta de slots e que Beja não é solução. O que tem a dizer sobre esta matéria?
FP – Conhecemos as dificuldades, que estão em linha com a falta de capacidade atual do Aeroporto de Lisboa e que afeta tanto as operações regulares como as operações charters. Em particulares condições, Beja tem servido de apoio a Lisboa. Nos últimos anos, Beja tem sido pontualmente utilizado tanto por alguns operadores turísticos, como por companhias aéreas para estacionamento de média e longa duração. A viabilidade da operação de Beja varia muito de caso para caso. A ANA mantém o Aeroporto de Beja operacional e em condições de dar resposta às operações que lhe forem solicitadas.
V – Como é que a ANA Aeroportos tem conseguido contornar a falência de companhias aéreas para aeroportos como Faro ou Madeira na reposição do tráfego aéreo?
FP – Das 14 companhias aéreas que faliram na Europa desde 2016, 10 tiveram impacto na rede de aeroportos ANA, principalmente na Madeira e em Faro. Ainda assim, foi possível recuperar, tendo sido importante o trabalho das nossas equipas de desenvolvimento de rotas que, trabalhando em conjunto com as Companhias Aéreas e o Turismo, conseguiram minimizar os impactos negativos.
V – O que tem sido feito para contornar de vez a falta de segurança do Aeroporto Cristiano Ronaldo em dias de ventos desfavoráveis?
FP – O Aeroporto da Madeira é um aeroporto seguro, que tem restrições operacionais em determinadas condições atmosféricas. A ANA tem vindo a trabalhar com as entidades responsáveis para aprofundar este tema e procurar soluções que, sem comprometer a segurança, permitam melhorar as condições de operação do Aeroporto. Em paralelo, a ANA, em conjunto com as restantes entidades aeroportuárias e turísticas da Madeira, tem um protocolo específico de atuação – que já obteve resultados positivos – para, em caso de disrupção, atuar de forma coordenada no sentido de minimizar os incómodos para os passageiros.
Soluções tecnológicas testadas em Lisboa
V – A ANA Aeroportos tem vindo a apostar cada vez mais em soluções tecnológicas para que, desde o check-in até à entrada no avião, o tempo de espera seja o mais reduzido possível. Mas isto apenas se tem verificado em Lisboa. Para quando o alargamento aos restantes aeroportos?
FP – As soluções tecnológicas são uma área de aposta da ANA. Procuramos com estas tornar-nos mais eficientes e, acima de tudo, contribuir para uma experiência positiva dos passageiros que utilizam as nossas infraestruturas. Há neste momento várias soluções que estão em fase “piloto” e que brevemente vão ser alargadas à rede de aeroportos ANA. Recordo que a VINCI Airports escolheu o Aeroporto de Lisboa como centro de excelência na sua rede internacional para gestão de fluxos. Isto significa que na rede de 46 aeroportos da VINCI Airports, é em Lisboa que vão ser testadas as inovações em gestão de fluxos para depois serem “exportadas” para a restante rede.
V – Há quem recentemente tenha considerado a Portela “o pior aeroporto do mundo”. Quer comentar?
FP – O contrato de concessão que a ANA assinou com o Estado Português tem associados exigentes níveis de qualidade de serviço que a ANA é obrigada a manter independentemente do volume de tráfego processado. Tratam-se de indicadores qualitativos e quantitativos que trimestralmente têm de ser reportados ao regulador nacional da aviação civil (ANAC) e sobre os quais a ANA está sujeita a penalidades em termos de incumprimentos.
O Aeroporto Humberto Delgado, mesmo a operar no limite da sua capacidade, garanteníveis de serviço que cumprem globalmente as exigências do contrato de concessão.
As nossas equipas têm sido capazes de responder à procura crescente de tráfego, mantendo os níveis de qualidade de serviço exigíveis contratualmente.