Ana Mendes Godinho trabalha no Turismo há anos, embora tenha assumido a pasta do setor há menos de ano e meio. Desde que tomou posse tem sido visível o seu interesse pelas mais variadas soluções tecnológicas que surjam para inovar o setor. A Viajar esteve à conversa com a secretária de Estado, tendo questionado a governante sobre os mais importantes assuntos que estão na ordem do dia do Turismo em Portugal e não só.
Por Sílvia Guimarães
Qual o balanço que faz destes 16 meses à frente da pasta do Turismo?
Faço um balanço muito entusiasmante e muito entusiasmado. Como preocupação inicial identifiquei, desde logo, que era necessário mobilizar as pessoas para o Turismo, ou seja, pôr o Turismo na ordem do dia em termos de discussão pública e de prioridades de política pública, bem como mobilizar o diálogo entre os vários atores do Turismo, dos vários territórios às várias regiões, passando pelas parcerias públicas e privadas. Este é um facto conseguido e prova disso são os grupos que, neste momento, tenho no Whatsapp. Um deles agrega todas a Entidades Regionais de Turismo e Agências Regionais de Promoção Turística, onde partilhamos informação sobre o que se está a passar em todo o país. Além de ser muito interessante, permite um trabalho de coesão e diálogo permanente.
Outra das minhas grandes preocupações passava por haver foco, por parte das entidades públicas, em objetivos concretos. Cabia a nós criar os instrumentos necessários para que isso pudesse acontecer. No início, chamei a isto de “chipar” as pessoas para objetivos comuns. O importante era não andar ao sabor da corrente, mas sim fixar, desde o início, os objetivos dessa corrente para que todos trabalhássemos focados e num sentido comum. Entre esses objetivos estava aumentar o valor da oferta, mas também desconcentrar a procura ao longo do território e do tempo. Penso que isso também foi conseguido e os resultados falam por si.
O importante é não assumirmos fatalidades e dogmas que afinal são perfeitamente trabalháveis. Falo, por exemplo, no alargar da atividade ao longo do ano, que foi conseguida com a garantia de acessibilidades aéreas durante os 12 meses. Por exemplo, no caso do Algarve a grande maioria dos voos para Faro concentrava-se no verão. Para contornar esta situação, tivemos de trabalhar com as companhias aéreas, fazer promoções e desenvolver produto. Um outro exemplo foi a criação do Programa de Captação para Eventos e Congressos, para que, em todo o país, fossem criadas condições para que estes eventos corporativos também acontecessem fora da época alta. É muito interessante, passados estes 16 meses, perceber que 2/3 do crescimento se fez fora da época alta, o que é muito mobilizador para quem tem acreditado e feito por desenvolver produto, por criar condições de acessibilidades, por promover produtos diferentes em relação aos já tradicionais para o mercado.
Particularmente, também acho que positiva foi a concretização daquilo que estabelecemos, logo desde o início, de tornar o Turismo numa atividade com capacidade de criar emprego. Pretendemos que o Turismo seja uma atividade que gera riqueza e emprego para o país, sendo ainda uma atividade de desenvolvimento regional.
Outro aspeto que estamos a verificar é o facto de todas as regiões estarem a crescer. Os Açores, por exemplo, é um caso paradigmático, com crescimentos de 25%.
Considera que o Turismo em Portugal está agora a tomar um rumo diferente?
Só o facto da palavra “turismo” ter sido considerada uma das mais importantes de 2016 reflete bem a capacidade que o setor tem tido em se impor em termos de discurso económico, de discurso político, de discurso de prioridades, de discurso de emprego e de discurso de coesão do país. Tem sido interessante ver como o Turismo está a ser utilizado como instrumento de valorização do dito interior e a ter a capacidade de nos fazer crescer em termos de exportações. É interessante verificar que o Turismo representava, no início de 2016, 15% das exportações nacionais, tendo passado para 17% em Novembro. Se falarmos de exportações exclusivamente de serviços, o Turismo passou de um peso de 47% para 49%, o que demonstra a sua importância crescente no nosso modelo de desenvolvimento económico, mas também na tal criação de emprego que referi há pouco.
Convém aqui relembrar a reposição da taxa do IVA como uma forma de alavancar uma atividade que esteve numa situação difícil, nomeadamente de tesouraria de muitos restaurantes.
Tendo em conta todos os contributos recolhidos para a Estratégia do Turismo 2027, pensa que irão conseguir estabelecer uma estratégia para a próxima década e que esta irá ser cumprida?
A Estratégia para o Turismo foi lançada em maio de 2016, já com objetivos muito definidos, para lançarmos em discussão pública aquelas que são as nossas prioridades para os próximos 10 anos. Foi um processo, até agora, interessantíssimo, de diálogo, que incluiu a auscultação da oferta, nacional e internacional. Além disso, fizemos 10 sessões públicas em Portugal, que moveram cerca de mil pessoas, incluindo operadores turísticos, associações de trabalhadores e Entidades Regionais de Turismo. E ainda cinco sessões de focous group em cinco mercados que considerámos estratégicos e fundamentais para sabermos a sua opinião em relação a Portugal, tentando saber quais consideravam ser os pontos a trabalhar para que o nosso país pudesse tornar-se mais competitivo. Foram eles Reino Unido, França, Alemanha, Espanha e Brasil.
Como uma das sessões públicas passou para este ano, o Turismo de Portugal, em colaboração com o meu gabinete, está a fazer agora a ponderação de todos os contributos recebidos. Tendo em conta que o nosso objetivo era fazer uma consulta pública real, consultando e tendo em conta todos os contributos que recebemos, apenas vamos conseguir fechar o documento para ser apresentado na BTL.
Com todo este processo pudemos ficar a saber as dificuldades que as pessoas têm no terreno, o que os mercados pensam de Portugal e dos seus “gaps”, em termos de capacidade de comunicação dos nossos produtos e dos nossos territórios, e recolher um conjunto de ideias engraçadíssimas, profundas e diferentes.
Houve aqui ideias muito inovadoras que nos obrigaram a sair da nossa “caixa”. Temos que olhar para o Turismo de mente aberta, com a sua capacidade para mobilizar várias áreas e não apenas o tradicional associado. Fomos aqui buscar mecanismos para pensar o Turismo através de outras indústrias que normalmente não são associadas a este setor.
O Turismo pode, assim, assumir uma posição de liderança na inovação e não foi por acaso que o secretário-geral da OMT, quando esteve de visita a Portugal, no início de fevereiro, pediu para lhe mostrarmos o que estávamos a fazer em termos de inovação, dado que tinha um feedback internacional muito positivo e queria perceber o que estava a acontecer por cá e como estávamos a fazer isto. Apresentámos-lhe o nosso projeto Turismo 4.0, com as iniciativas que estamos a desenvolver, nomeadamente a de levarmos as startups aos mercados internacionais para poderem vir a ter alguma capacidade de entrarem nesses mesmos mercados, assim como lhe demos a conhecer todos os programas de incubação e aceleração que estamos a fazer em termos de possíveis novas startups. Ainda lhe mostrámos o programa que estamos a lançar do “Open Kitchen Labs”, de forma a abrirmos as Escolhas de Turismo à inovação, para que sejam espaços onde as pessoas possam fazer testes de novos produtos, novos métodos, novas ementas e novas formas de confeção de pratos. Ele levou tudo isto como um case study e até pediu para lhe enviarmos informação para difundir internacionalmente.
O Turismo é um instrumento para posicionar Portugal como um país bom para visitar, mas não só. É um país também bom para investir, para viver, para trabalhar e para estudar. Esta foi a principal conclusão do trabalho fantástico por detrás desta estratégia.
Promoção coordenada
O secretário-geral da OMT, Taleb Rifai, afirmou, durante a sua visita a Portugal, que apesar do país estar a passar por uma excelente fase a nível do Turismo, o governo tem que estar atento para que este estado de graça possa perdurar. O que está a ser projetado neste sentido?
A minha grande preocupação é que não haja estratégias autistas, nem mesmo as de marketing. Temos que, permanentemente, ter um contato com a nossa oferta, assim como com os players e as regiões que estão no terrenos para ficarmos a saber o que temos para vender, que mercados é que nos interessam, como os vamos atingir e qual a estratégia a desenvolver em cada mercado. Foi por isso que, em 2016, reativei uma coisa que tinha sido decapitada, o CEPT [Conselho Estratégico de Promoção Turística], para garantirmos que há um diálogo entre o Turismo de Portugal, que faz a promoção do destino num todo, e as várias regiões do país. Também considero que este tenha sido um objetivo ganho, dado que o Turismo de Portugal tem estado muito presente nas várias regiões, em articulação permanente com as Agências Regionais de Promoção Turística. Temos, desta forma, uma estratégia de marketing articulada nos mercados. Neste momento, para 2017, já temos aprovado um plano de marketing, concertado com as Agências Regionais de Promoção Turística, de acordo com as prioridades que foram identificadas por cada uma. Temos que nos focar, cada vez mais, nos mercados que mais nos interessam, assim como nos mercados que estamos agora a chegar e onde temos uma capacidade aérea instalada muito maior, como é o caso dos Estados Unidos e do Canadá, onde temos que ser muito mais eficazes, e da China, com a nova ligação aérea direta a partir de junho.
Este voo para a China permitirá uma maior abertura de Portugal para a Ásia?
Completamente e não só, dado que também estamos a acompanhar de muito perto as ligações via Dubai. Aproveitando o reforço de operações áreas que vão acontecer via Dubai, em julho, vou estar na Coreia do Sul. Temos que trabalhar em várias frentes, muito alinhados com as companhias aéreas, para conseguirmos atingir os mercados que nos interessam. No entanto, este voo entre Xangai e Lisboa é uma porta importantíssima e que nos obrigou, a todos, a trabalhar intensivamente, primeiro para termos a certeza de que o voo iria realmente acontecer e, segundo, por obrigar-nos a trabalhar em mercados que não estávamos a apostar.
Leia a entrevista completa na edição de março (nº 359) da VIAJAR – Disponível online (aqui)