“O turismo não tem vindo a ter o reconhecimento correspondente à sua importância na economia portuguesa”

Conhecido pela sua forte interveniência opinativa dentro do Turismo em Portugal, Vítor Neto é das figuras que mais se destaca dentro do setor. Foi secretário de Estado do Turismo, no governo de António Guterres, durante cinco anos, e defende que o Turismo é um dos setores mais importantes de economia nacional, embora os governos não o reconheçam com coerência.

 

Viajar – Sendo o Turismo um setor estratégico dentro da economia nacional, considera que esta é uma área que está a ser tratada devidamente pelos diversos governos ou defende que está a ser colocada um pouco à margem?

Vítor Neto – O turismo, de há muitos anos a esta parte, que não tem vindo a ter o reconhecimento, o tratamento e o espaço político correspondentes à sua importância na economia portuguesa. Isto é algo que necessita de ser urgentemente resolvido. Os dados confirmam essa importância, mas depois, em geral, não têm na prática uma correspondência direta.

Quando ocupou o cargo de secretário de Estado do Turismo, entre 1997 e 2002, no governo de António Guterres, tentou de alguma forma combater este fato? E teve algum sucesso?

Já tivemos mais de 30 secretários de Estado do Turismo, dos quais apenas uns quatro ou cinco ocuparam o cargo mais de 20 anos. Houve quem tivesse passado pela secretaria de Estado apenas uns meses e logo por aqui se consegue perceber a sensibilidade existente em relação a este setor. Há quem defenda que o Turismo deveria de ter um ministério próprio, mas em nada os problemas do Turismo em Portugal têm a ver com o fato de haver um ministro ou um secretário de Estado. Tem sim a ver com a importância que o primeiro-ministro e o seu governo atribuem a este setor. Tudo se resume ao reconhecimento da importância real do ponto de vista estratégico deste setor para a economia e atribuir um espaço e uma atenção que lhe permita potenciar essas capacidades. Por outro lado, pode-se sempre optar por deixar esta atividade andar por aí, ao sabor da corrente, como tem acontecido muitas vezes.

Como é que o Turismo demonstra essa importância na economia?

No ano de 2015 o Turismo foi, uma vez mais, o maior setor exportador de Portugal. As exportações correspondentes a este setor aproximaram-se, no ano passado, dos 11,4 mil milhões de euros representando cerca de 15,6% do total das exportações de bens e serviços. As receitas externas geradas pelo Turismo, ou seja, o montante que os estrangeiros gastaram em Portugal, e que foi contabilizado pelo Banco de Portugal, tiveram assim um aumento de cerca de mil milhões de euros, em relação a 2014. Este crescimento traduz-se num valor maior do que muitos setores de que todos os dias se fala nas televisões.

Por outro lado, na Balança Comercial Portuguesa de bens e serviços, o setor dos bens tem um saldo negativo, o que leva a concluir que importamos mais do que exportamos, embora o saldo global desta Balança Comercial seja positivo graças ao setor dos serviços, e dentro deste graças ao Turismo, que permite cobrir a parte negativa do saldo dos bens. Este é um dado que não pode ser posto de lado e esquecido, pelo contrário, tem que ser afirmado todos os dias. O Turismo não só contribui para a Balança Comercial portuguesa de bens e serviços de uma forma positiva como se deve ao Turismo o facto de esta ser positiva.

Além disso o Turismo contribui, diretamente, indiretamente e de forma induzida, com cerca de 9 a 10% para o PIB.

Qualquer Governo, tendo em conta todos estes fatores, não faz favor nenhum ao reconhecer a importância deste setor para a economia nacional, assim como atribuir-lhe ainda mais força e maior capacidade para que este possa gerar ainda mais recursos.

Estes dados têm que ser valorizados para evidenciar-se a atividade, as empresas, os profissionais do setor e as Regiões de Turismo. Enquanto não conseguirmos valorizar isto, nunca existirá o reconhecimento político.

As Regiões de Turismo foram recentemente fazer-se ouvir nos diferentes partidos com assento parlamentar, através da Associação Nacional de Turismo, sobre a sua discordância com a possibilidade levantada, recentemente, pelo secretário de Estado da Administração Local, a uma rádio pública, de em 2017 estas entidades passarem a integrar as CCDR. Concorda com esta possibilidade?

Não conheço essa intenção. Mas causa-me reservas. A realidade do Turismo tem dois planos. O primeiro nacional e global que é essencial. Portugal tem que se afirmar globalmente como um País em que o Turismo tem expressão, força, política, estratégia, ação e rentabilidade. Já o segundo tem a ver com o facto das realidades regionais serem todas diferentes. Existem regiões, como o Algarve e a Madeira, em que o Turismo é a atividade económica principal; depois há regiões em que o Turismo tem um peso importante, embora não seja a atividade principal, como é o caso de Lisboa; há ainda aquelas regiões que já vão tendo alguma afirmação nesta área, como é o exemplo do Porto e do Norte de Portugal; e por último, as restantes regiões do País onde o Turismo tem uma dimensão menos elevada, mas ainda assim relevante, como o Centro, o Alentejo e os Açores.

É necessário termos para além de uma estratégia nacional, uma outra também regional que permita potenciar os produtos existentes, organizar ofertas coerentes e fazer uma promoção junto daqueles mercados considerados potenciais para cada região. Isso é diferente de região para região, o que leva à necessidade da existência de políticas regionais.

Temos que perceber que papel é que os governos reconhecem às funções das regiões. Considero tão importante termos uma política e estratégia nacional, como políticas e estratégias regionais coordenadas com o poder central e a nível nacional. Temos é que ver o papel que o governo reconhece às regiões para que estas possam desempenhar uma determinada função, que não seja apenas formal.

O turismo em Lisboa e no Porto tem vindo a crescer em larga escala. Considera que as cidades estão preparadas para este incremento tão alargado?

Temos diversas realidades no nosso País. Primeiro, o Algarve representa 38 a 40% das dormidas de estrangeiros em Portugal e 30% das dormidas de portugueses, o que quer dizer que é o maior destino turístico em Portugal, quer de estrangeiros como de turistas nacionais. Lisboa ocupa a segunda posição. Segue-se a Madeira, igualmente uma região fortíssima no produto de férias e lazer, tal como o Algarve. Só estas três regiões, Algarve, Madeira e Lisboa, representam mais de 80% das dormidas de estrangeiros em Portugal.

Este problema das cidades sempre existiu, mas neste momento apresenta uma nova faceta. Está em curso uma grande dinâmica e crescimento do chamado turismo urbano. E, ao contrário do que se pensa aqui em Portugal, esta não é uma moda portuguesa, mas sim mundial. Este facto deve-se à diminuição dos preços do transporte aéreo, à melhoria das condições de vida, ao aparecimento de novas propostas de alojamento e ao surgimento das novas tecnologias na intermediação turística. Lisboa e Porto estão a viver um pouco sobre estas influências.

Lisboa é um destino turístico com mais ofertas do que o Porto, apresentando um historial de turismo muito forte, ao passo que o Porto é um fenómeno mais recente. Lisboa representa cerca de 27% das dormidas de estrangeiros em Portugal, enquanto que o Porto representa menos de 10%.

Nenhuma cidade está preparada para uma explosão turística, podem é apresentar potencialidades para a enfrentar, inteligência para compreenderem as consequências que poderão advir deste grande incremento e atuarem. No entanto, considero que a euforia possa ser inimiga de uma visão serena, objetiva e programada destas questões, como já aconteceu, por exemplo, em Barcelona. Para que tal não aconteça têm que existir políticas.

A grande questão é: o que é que Portugal está a fazer para compreender isto e ajudar os seus empresários a movimentarem-se perante estas novas realidades? Esta é que é a questão central do Turismo neste campo.

Leia a entrevista completa na Edição de março (nº 347) da revista VIAJAR – Disponível online

 

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